A realização de diligências ulteriores à denúncia anônima como elemento de validade da ação penal e interceptação telefônica segundo o STF. Por Wilton Moreira da Silva Filho wiltonmoreira.com.br O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu recentemente que a instauração de investigação de natureza criminal e a determinação de interceptação telefônica realizadas após diligências preliminares são válidas. O art. 5º, §3º, do Código de Processo Penal (CPP), estabelece que "qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito". A respeito do conceito de inquérito policial, suas características e a finalidade da investigação criminal, Távora e Alencar (2016) lecionam: "O inquérito policial vem a ser o procedimento administrativo, preliminar, presidido pelo delegado de polícia, no intuito de identificar o autor do ilícito e os elementos que atestem a sua materialidade (existência), contribuindo para a formação da opinião delitiva do titular da ação penal, ou seja, fornecendo elementos para convencer o titular da ação penal se o processo deve ou não ser deflagrado. Pontue-se que a Lei nº 12.830/2013, ao dispor sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, deixa consignado que a apuração investigativa preliminar tem como objetivo apuração de circunstâncias, materialidade e autoria das infrações penais (art. 2º, §1º)." É possível verificar que este procedimento administrativo denominado inquérito, que é presidido pela autoridade policial e visa à apuração da materialidade, autoria e circunstâncias do crime, deve ser precedido de investigações preliminares. É um procedimento investigativo cuja instauração depende de investigações prévias, para que não se cometam injustiças. A denúncia anônima é um importante mecanismo de combate à criminalidade atualmente. A imprensa brasileira, mais especificamente a que transmite a realidade dos fatos policiais, comumente transmite aos destinatários da matéria jornalística a ideia de que sua participação na elucidação do fato delituoso é necessária, isso a partir da denúncia anônima, disponibilizada por algumas polícias. Nessa relação entre comunicador e espectador gera-se a oportunidade de levar ao conhecimento da autoridade policial informações que a conduzam a fixar os pontos que exigem esclarecimento, ou seja, a participação popular toma a forma de elemento norteador das diligências policiais. Contudo, exige-se a chamada verificação de procedência da informação, conhecida no âmbito da polícia por V.P.I. Essa verificação pode ajudar a desvendar casos e dar início a investigações mais aprofundadas, que permitirão à autoridade policial adotar diversas medidas, a exemplo de representações por prisão de natureza cautelar e de interceptação telefônica. A possibilidade de representação por interceptação telefônica está prevista na Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996 e exige:
À luz da lei de interceptação, tal medida é excepcional, ou seja, só diante da impossibilidade de produção de provas por outros meios é que a interceptação entraria em combate. Esse importante mecanismo de colheita de informações pode derivar de uma denúncia anônima, contudo, há uma ressalva: a realização de investigações preliminares, ou seja, a denúncia anônima, por si só, não seria admitida como fundamento da interceptação telefônica ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Por conseguinte, deve-se obedecer à regra segundo a qual a denúncia anônima precisa ser trabalhada a partir de investigações ulteriores a ela. É esse o entendimento do STF no RHC 133575/PR, de relatoria do Min. Marco Aurélio. Diante do exposto, é possível afirmar seguramente que a denúncia anônima é um mecanismo importante na elucidação de fatos de natureza criminal, assim como o é a interceptação telefônica, que de igual modo exige a chamada verificação de procedência de informação e os requisitos estabelecidos em lei específica. Referência: TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. 1832 p.
O sentimento de arrogância como revelador do empenamento do caráter. Por Wilton Moreira da Silva Filho wiltonmoreira.com.br A ideia inicial sobre o que é arrogância parece simples. Seria um conceito empírico, ou seja, aquele que é percebido por meio da experiência sensorial, mas uma segunda análise pode indicar que se trata de um possível elemento empenador do caráter que pode gerar danos. PIÉRON (1993) reúnes os possíveis conceitos de caráter dessa forma: "maneira habitual e constante de agir peculiar a cada indivíduo (WALLON). - Individualidade psicológica (G. DUMAS). - Conjunto, e por vezes a síntese, das disposições estáveis de um indivíduo (BURLOUD, Le Caractère). - Conjunto das tendências afetivas que dirigem as reações do indivíduo nas condições do meio em que viva (G. HEUYER). Ressalva o autor que no âmbito da Psicologia muitos profissionais adotam o termo comportamento. Por conseguinte, afirma-se que do ponto de vista semântico o significado da palavra estaria associado à conduta moral do indivíduo, ou seja, o significado do vocábulo não é rígido. Portanto, há mais de uma maneira de interpretação. Empiricamente, a partir de relações sociais, é possível assimilar várias características de colegas de trabalho, familiares, amigos de infância, agentes públicos, colegas de universidade ou escola, apenados, condutores de veículos automotores, passageiros de ônibus, pedestres etc., de modo que captamos de forma sensorial várias formas de caráter ou comportamento, ainda que de maneira rasa. Neste contexto, o prejulgamento dos indivíduos deve ser abolido e as várias formas de existir e se manifestar, desde que em conformidade com as normas da Ciência Jurídica, não sofrem punição do Estado. Ocorre que nas atividades relacionais é possível assimilar mudanças comportamentais em indivíduos sem que isso traduza algum tipo de "mudança de caráter", uma vez que o Brasil é um país no qual a regra é a liberdade, inclusive de pensamento e de crença. Por outro lado, uma segunda análise (crítica) nesse contexto do relacionamento humano pode gerar a percepção de mudança no outro a partir da exteriorização de pensamentos, a partir de sua maneira de agir (daí a importância do conceito de PIÉRON). Em outras palavras, se o caráter é definido como "maneira habitual e constante de agir", a mudança abrupta com a qual depara o indivíduo pode indicar o empenamento do caráter do outro sem que essa avaliação configure um julgamento sumário. Entre as impressões (não julgamentos) colhidas no dia a dia está a que se refere à arrogância, que pode ser apreendida pelo homem - tido pelo ser arrogante como inferior - como um "problema do outro", algo sem relevo, ou seja, o ser tido como inferior pode relevar ou até mesmo enxergar o comportamento como uma característica daquele que ostenta a possível deformidade de caráter. A arrogância como elemento empenador do caráter pode causar desde a fragmentação de vínculos afetivos aos danos moral e existencial. Pode ofender a honra do próprio sujeito, ou seja, aquela visão de si mesmo, assim como prejudicar o indivíduo no que se refere às suas atividades relacionais. Há relatos na imprensa brasileira de que a arrogância no meio ambiente do trabalho já causou doenças e males psicossomáticos, uma vez que tal empenamento de caráter pode se tornar tão frequente a ponto de prejudicar a saúde daqueles que estão envolvidos no circuito do ser arrogante, comportamento que lesa direito da personalidade e pode motivar afastamentos da relação de emprego ou do serviço público, além de interferências no âmbito da família, considerada a base mais importante do ser. Diante do exposto, é possível afirmar que o caráter ou comportamento pode sofrer um empenamento e entre as suas manifestações está a arrogância, capaz de gerar prejuízos às atividades relacionais do indivíduo, inclusive o adoecimento daquele que é alvo da prática frequente de tal comportamento lesivo a direito da personalidade. REFERÊNCIA: PIÉRON, Henri. Dicionário de psicologia. 8. ed. São Paulo: Globo, 1993. Tradução e notas de Dora de Barros Cullignan.
Possibilidade de aplicação de medida cautelar diversa da prisão a membro de associação criminosa para o tráfico cuja atividade individual não tinha participação direta na traficância. Por Wilton Moreira da Silva Filho WILTONMOREIRA.COM.BR O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o membro de associação criminosa para o tráfico de drogas que não atua diretamente neste crime tem direito a medidas cautelares diversas da prisão. No caso, a Corte de Justiça entendeu que diante da prisão da organização criminosa e considerando que a conduta do infrator no caso concreto estava ligada apenas ao crime de lavagem de dinheiro, não haveria necessidade do seu encarceramento. Estando a referida organização criminosa presa e constatada inequivocamente a atuação de tal membro (lavagem de dinheiro), as atividades delitivas dos integrantes da organização estariam paralisadas. Desse modo, em julgamento de habeas corpus entendeu o Superior Tribunal de Justiça que caberia no caso concreto a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão àquele que cometeu o delito de lavagem. Novo entendimento da Quinta Turma do STJ quanto à data-base para progressão de regime. - De acordo com o novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), divulgado em seu informativo n. 595, temos uma nova regra: "A data-base para subsequente progressão de regime é aquela em que o reeducando preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal." - O entendimento anterior era diverso deste, uma vez que decidia o STJ com base nos seguintes pontos como termos iniciais:
- Hoje, é necessário ter em mente a seguinte equação com relação a esta matéria: - Entendimento da Quinta e/ou Sexta Turma do STJ = Entendimento do STF. - Por conseguinte, há a seguinte regra: é "a data-base para concessão de nova progressão aquela em que o apenado preencheu os requisitos do art. 112 da LEP. - Natureza jurídica da decisão do Juízo das Execuções Penais: é declaratória. Não é constitutiva. - Assim, é correto afirmar que a data-base para subsequente progressão é aquela em que o apenado preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal (LEP). Legislação para estudo: art. 112 da lei n. 7.210, de 11/7/1984 (Lei de Execução Penal) Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. § 1º A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor. § 2º Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes. Noção: é correto afirmar que diante da possibilidade de análise da sentença penal condenatória do juízo de primeiro grau pelo Tribunal de Justiça (TJ) ou Tribunal Regional Federal (TRF), a execução da pena não ocorre de forma automática, uma vez que a questão levada ao segundo grau de jurisdição não foi exaurida, ou seja, não ocorreu o pronunciamento definitivo da Justiça de segundo grau. Por conseguinte, se ao réu foi dada a chance de recorrer em liberdade, não há que se falar em prisão automática. Esta só poderá ocorrer após a condenação definitiva pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal (após o chamado trânsito em julgado). Contudo, antes desta situação poderá ocorrer o encarceramento se preenchidos os requisitos que justificam a necessidade de prisão preventiva, cujas regras estão previstas no Código de Processo Penal brasileiro. Desse modo, somente após a decisão da Justiça de segundo grau, fase em que a questão será levada ao Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, é que será possível a execução da pena. wiltonmoreira.com.br Desmembramento de inquérito em razão de foro por prerrogativa de função: ausência de indícios concretos da participação de parlamentar, fato que impossibilita a remessa dos autos ao juízo hierarquicamente superior. Por Wilton Moreira da Silva Filho Em julgamento recente de um agravo regimental em reclamação envolvendo a suposta participação de deputado federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) não aceitou tese que sustentava o desmembramento de inquérito fundado em suposta usurpação de competência. No julgado, o Guardião da Constituição negou provimento ao recurso, uma vez que o nome do titular do foro por prerrogativa de função (um parlamentar), citado em diálogos realizados entre alvos da investigação (interceptação telefônica submetida à reserva de jurisdição, realizada legalmente), assim como a sua menção por testemunhas ou investigados, não conduziram à constatação de indícios concretos do seu envolvimento em ilícitos de natureza penal, ou seja, a sua participação ativa não ficou demonstrada. Desse modo, no caso concreto decidiu o STF que as "informações fluidas e dispersas" acerca da autoridade citada não seriam suficientes para o desmembramento do inquérito. Referência: Rcl 25496 AgR/RN - informativo n. 854 do STF. wiltonmoreira.com.br Seleção de informativos de direito penal e processual penal. Por Wilton Moreira da Silva Filho5/3/2017
O Informativo n. 596 noticia uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito do afastamento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei de Drogas, em razão da dedicação do réu à prática de crimes. A Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) prevê em seu art. 33, §4º, uma causa de diminuição de pena. A redação do dispositivo é a seguinte: "§4º - Nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa." De acordo com a citada regra legal, os requisitos para a diminuição da pena são: a primariedade; os bons antecedentes; que o réu não se dedique às atividades criminosas e que não integre organização criminosa (ORCRIM). A norma deste §4º recentemente foi alvo de julgamento pela Quinta Turma do STJ. Segundo o julgamento deste tribunal, publicado no Diário da Justiça eletrônico de 1º de fevereiro de 2017, aquele que se dedica à atividade criminosa não tem direito à causa de diminuição de pena, entendimento que se adequa com perfeição ao que prevê a lei. De acordo com o julgado, a existência de inquéritos policiais (fase em que a autoridade policial realiza a apuração da infração penal, realizando diligências a fim de constatar a existência do crime, a autoria e em quais circunstâncias teria ocorrido o delito), assim como de ações penais (fase na qual existe denúncia do titular da ação penal, o Ministério Público, em desfavor do acusado, que terá a oportunidade de se defender) impossibilita a diminuição da pena prevista no art. 33, §4º, da lei n. 11.343/2006. Neste contexto, inquéritos e ações penais em curso são tidos como maus antecedentes, e já que os requisitos do citado dispositivo legal são cumulativos, o réu não teria direito à diminuição de sua pena. Este entendimento é aplicado àqueles que se dedicam à atividade criminosa e parece estar de acordo com o que prevê a legislação. Por outro lado, a Sexta Turma do STJ tem entendimento diverso e realiza uma interpretação diferente daquela que já é majoritária na Quinta Turma. Esta possui um entendimento menos favorável ao réu. Aquela, favorável. Diante do exposto, é possível afirmar que o réu que figura como indiciado em inquéritos policiais e responde a várias ações penais não é beneficiado pela lei de drogas, mas a análise das decisões do STJ permite dizer que há divergência entre as Quinta e Sexta Turmas. Princípio da insignificância: conceito e requisitos. Por Wilton Moreira da Silva Filho
wiltonmoreira.com.br O princípio da insignificância tem aplicação no Direito Penal e gera a exclusão da tipicidade material, de modo que se afasta a incidência da lei a partir de uma interpretação restritiva da norma. A sua aplicação está condicionada à presença de determinados requisitos, entre os quais a mínima ofensividade da lesão ao bem jurídico e atualmente tem sido aplicado pela Justiça brasileira. A tipicidade integra os elementos do chamado fato típico, que está associado à noção de previsão genérica de determinada conduta pela norma penal à qual, se incriminadora, quando violada, é imposta determinada consequência, a denominada sanção penal. A norma penal indica a conduta humana que é reprovada ou exigida pelo direito e revela o bem jurídico que se protege. Quando violada, ou seja, quando a conduta que não se deve praticar é realizada ou quando se deixa de se adotar o comportamento exigido pela lei, a norma penal irá incidir sobre essa conduta. Ocorrendo a perfeita adequação desta àquilo que a lei prevê, de início, está-se diante da tipicidade penal. Segundo Greco (2005), a tipicidade penal divide-se em tipicidade penal formal e tipicidade conglobante. A tipicidade formal seria a adequação da conduta à previsão legal. Uma conduta se enquadraria perfeitamente ao texto legal. A conduta teoricamente violaria a norma penal porque se adequaria à sua previsão. A tipicidade conglobante levaria em consideração a antinormatividade e a tipicidade material. A respeito do assunto, Greco (2005) adverte: “Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção. Quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens, como a integridade física e o patrimônio, não quis abarcar toda e qualquer lesão corporal sofrida pela vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando o seu valor.” Damásio de Jesus, citado por Estefam (2008), afirma que “esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco, maus-tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza etc.” Assim, o princípio da insignificância ou bagatela, considerado pela doutrina como causa atipificante (SILVA, 2010), pode ser compreendido melhor a partir da atividade interpretativa dos tribunais, em decisões sobre matérias que envolvem leis diferentes, conforme julgados expostos a seguir: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE MEDICAMENTO PARA USO PRÓPRIO. QUANTIDADE PEQUENA. AUSÊNCIA DE DOLO E INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E, EXCEPCIONALMENTE, DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO, IN CASU, DA SÚMULA N. 568/STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1. Esta Corte de Justiça vem entendendo, em regra, que a importação de cigarros, gasolina e medicamentos (mercadorias de proibição relativa) configura crime de contrabando. 2. Todavia, a importação de pequena quantidade de medicamento destinada a uso próprio denota a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, tudo a autorizar a excepcional aplicação do princípio da insignificância (ut, REsp 1346413/PR, Rel. p/ Acórdão Ministra MARILZA MAYNARD - Desembargadora convocada do TJ/SE -, Quinta Turma, DJe 23/05/2013). No mesmo diapasão: REsp 1341470/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 21/08/2014. 3. De outra parte, é certo que o art. 334, primeira parte, do Código Penal, deve ser aplicado aos casos em que suficientemente caracterizado o dolo do agente em introduzir no território nacional mercadoria que sabe ser de proibição absoluta ou relativa. Não se pode olvidar, ainda, o princípio da proporcionalidade quando se constatar que a importação do produto se destina ao uso próprio (pelas características de quantidade e qualidade) e não é capaz de causar lesividade suficiente aos bens jurídicos tutelados como um todo. A análise de tais questões, contudo, compete às instâncias ordinárias, soberanas no exame do conjunto fático-probatória, e não ao Superior Tribunal de Justiça, órgão destinado exclusivamente à uniformização da interpretação da legislação federal. (REsp 1428628/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 12/05/2015). 4. Na espécie, as instâncias ordinárias reconheceram a inexpressiva lesão de duas caixas de medicamentos (uma para emagrecimento - 15mg - e uma para potência sexual - 50 mg), avaliadas em R$ 30,00. Ausência de dolo. Princípios da proporcionalidade e, excepcionalmente, da insignificância. 5. Incidência da Súmula n. 568/STJ: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema". 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1572314 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2015/0309249-1. Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA. Julgado em 02/02/2017) Já no sentido de sua inaplicabilidade (presença da tipicidade material), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu recentemente: PROCESSO PENAL E PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PESCA EM PERÍODO PROIBIDO. ART. 34 DA LEI N. 9.605/1998. TRANCAMENTO DO PROCESSO-CRIME. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA EM RELAÇÃO A UM DOS RÉUS E CONCESSÃO DE SURSIS PROCESSUAL AO OUTRO. PREJUDICIALIDADE. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IRRELEVÂNCIA DO DANO AMBIENTAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. Hipótese na qual o pedido de trancamento do processo restou prejudicado pela superveniência de sentença penal condenatória em desfavor do réu Rogério da Rosa Assunção e pela concessão do benefício do sursis processual ao réu Cleber Vieira Barradas. Não há qualquer interesse de agir na análise do juízo de cognição sumária do recebimento da denúncia, porquanto há novo título cuja cognição acerca da autoria e materialidade foi exauriente, bem como em razão da suspensão do trâmite processual pelo prazo de dois anos. 2. A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos delitos ambientais quando demonstrada a ínfima ofensividade ao bem ambiental tutelado. Na hipótese em apreço, contudo, além de terem sido apreendidos 18,5kg de camarão com os réus, em período no qual sua pesca é proibida, foi utilizado apetrecho não permitido, qual seja, rede de arrasto de fundo, o que constitui óbice à aplicação do princípio da bagatela. Precedentes. 3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (RHC 61930 / RS RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2015/0174968-6; Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS; data do julgamento: 15/12/2016; data da publicação/fonte: DJe 01/02/2017) Ressalta-se que no âmbito previdenciário o princípio da insignificância também é aplicado, contudo, a sua incidência se opera de forma diferente da esfera penal. Em matéria previdenciária, para a aplicação do princípio da insignificância há um determinado valor que funciona como parâmetro: R$ 10.000,00 (dez mil reais). A fundamentação jurídica de tal aplicação encontra-se no art. 20 da lei n. 10.522, de 19 de julho de 2002, que assim dispõe: “Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).” Recentemente o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu: CONSTITUCIONAL E PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. TRANCAMENTO DO PROCESSO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PARÂMETRO DE AFERIÇÃO DA RELEVÂNCIA DA LESÃO AO BEM JURÍDIDO. R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). INAPLICABILIDADE DO VALOR MÍNIMO PARA AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL (PORTARIA MF 75/2012). INCOMPATIBILIDADE TELEOLÓGICA COM A SEARA PENAL. CONDUTA MATERIALMENTE TÍPICA. NECESSIDADE DO PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO PENAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência dos tribunais superiores admite o trancamento do inquérito policial ou de processo penal, excepcionalmente, nas hipóteses em que se constata, sem o revolvimento de matéria fático-probatória, a ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não se observa no presente caso. (STJ: RHC 58.872/PE, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, DJe 01/10/2015; RHC 46.299/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 09/03/2015; HC 294.833/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 03/08/2015; STF: RHC 125787 AgR, Relator Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe 31/07/2015; HC 108168, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 02/09/2014). 2. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.112.748/TO, definiu o parâmetro de quantia considerada irrisória para fins de aplicação do princípio da insignificância aos crimes de descaminho, pacificando o entendimento no sentido de que o valor do tributo evadido a ser considerado é de R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme art. 20 da Lei 10.522/02. 3. Por ocasião do julgamento do REsp 1.393.317/PR e do REsp 1.401.424/PR, a Terceira Seção, firmou o entendimento no sentido da inaplicabilidade de qualquer parâmetro diverso de R$ 10.000,00 (dez mil reais), notadamente o de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto na Portaria nº 75/2012 do Ministério da Fazenda. Isso porque tal ato infralegal regulamenta o Decreto-Lei nº 1.569/77, cujo artigo 5º autoriza o Ministro da Fazenda a obstar as execuções fiscais economicamente inviáveis de créditos tributários de reduzido valor, e não a Lei nº 10.522/02. Os referidos diplomas normativos não ostentam, pois, a condição de normas revogadora e revogada, para fins de aplicação do princípio da insignificância, que tem sede eminentemente jurisprudencial, e não legal. 4. Não se trata de questão de mérito administrativo acerca do ajuizamento de execução fiscal, com paradigma no valor do crédito tributário para aferição da viabilidade econômica da execução, matéria estranha à seara criminal. O ponto que se controverte é o grau de lesão à ordem tributária e a relevância penal da conduta, que enseje a tutela do direito penal. A conclusão acerca desse tema não está atrelada aos critérios fixados nas normas processuais tributárias para o ajuizamento da execução fiscal, até porque o valor mínimo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) implica apenas efeitos processuais de suspensão ou impedimento de eventual execução, sequer culminando na extinção do próprio crédito tributário e, a fortiori ratione, não pode ser parâmetro para aferir a relevância da lesão ao bem jurídico tutela pela norma penal. 5. Como o ajuizamento da execução fiscal é regido pelos critérios de eficiência, economicidade e praticidade, o paradigma executivo fiscal é bastante pantanoso, pois pode ser relevado de acordo com o potencial de recuperabilidade do crédito e até mesmo pelas peculiaridades regionais do executivo fiscal, o que mostra o evidente despropósito em torná-lo método de aferição de tipicidade material. 6. O valor objetivo de R$ 10.000,00, adotado no julgamento do REsp 1112748/TO, é paradigma jurisprudencial erigido a partir de medida de política criminal, como sói acontecer na aplicação do princípio da insignificância, que subtrai da tutela penal os casos dotados de mínima ofensividade, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade e mínima lesão ao bem jurídico tutelado, corolários da fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal. 7. O valor do crédito tributário objeto do crime tributário material é aquele apurado originalmente no procedimento de lançamento, para verificar a insignificância da conduta. Destarte, a fluência de juros moratórios, correção monetária e eventuais multas de ofício, que integram o crédito tributário inserido em dívida ativa, na seara da execução fiscal, não tem o condão de acrescer valor para a aferição do alcance do paradigma quantitativo de R$ 10.000,00. De fato, consoante as informações prestadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional, o saldo devedor dos débitos nº 36.660.772-3 e nº 41.939.566-0, atualizados para novembro de 2015, totalizavam, respectivamente, R$ 24.630,30 e 15.278,73, entrementes, o valor a ser comparado com o paradigma jurisprudencial é de R$ 18.227,04. 8. Recurso desprovido. (RHC 74756 / PR RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2016/0214783-3. Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS. Data do julgamento: 13/12/2016. Data de publicação/fonte: DJe 19/12/2016) Por outro lado, Masson (2016) cita precedente do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o qual é aplicado o princípio da insignificância quando o valor do tributo devido não for superior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), no contexto dos crimes tributários e do crime de descaminho. Afirma o autor: “O princípio da insignificância é aplicável quando o valor do tributo devido não ultrapassar R$ 20.000,00. É o entendimento do Supremo Tribunal Federal”. Por conseguinte, verifica-se que a tipicidade material é levada em consideração na aplicação do princípio da insignificância e está associada à ideia de proporção da lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, não sendo aplicável a lei àquelas condutas de pouca lesividade, ou seja, àquelas condutas de pouca relevância do ponto de vista penal, funcionando o princípio como “instrumento de interpretação restritiva do tipo penal”. De acordo com Prado (2005), “Através do princípio da insignificância (Roxin), devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem muito infimamente um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição da sanção penal, devendo ser excluída a tipicidade em casos de pouca importância”. Referindo-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, Azevedo (2010) lista quatro “vetores na aferição do relevo material da tipicidade penal”, requisitos para o afastamento da tipicidade material: “a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.” Desse modo, parece correto dizer que o princípio da insignificância está relacionado à noção de tipicidade material e na aferição da possibilidade de sua aplicação é necessária a análise dos vetores (requisitos) da relevância material da conduta, conforme a doutrina e o entendimento dos tribunais. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Marcelo André de. Direito penal - parte geral. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. ESTEFAM, André. Direito penal 1 - parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. (Coleção Curso & Concurso). GRECO, Rogério. Curso de direito penal - parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2005. MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado - Parte geral - vol.1. 10. ed. São Paulo: Método, 2016. 1095 p. PRADO, Luiz Regis. Elementos de Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. SILVA, Davi André Costa. Direito penal - parte geral. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010. 384 p. |
AUTOR:Wilton Moreira da Silva Filho ARQUIVOS
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