Carta rogatória e contagem de prazos | noções de direito / Wilton Moreira da Silva Filho - 23h3828/7/2021
Remeter o bem ao próximo é um ato de humanismo. Desde o ato aparentemente mais singelo até a edição de um trabalho sentencial ou consulta, cada ente humano pode realizar ações que vão ao encontro do bem e que são capazes de transformar a realidade de outrem.
Depreende-se do poema "Adeus", de autoria do já saudoso juiz de direito Wilton Moreira da Silva, que o autor não faz o símbolo do adeus e que tudo se transforma, a exemplo das flores, as quais murcham e renascem. O autor associa o adeus a três elementos: emoção, lágrimas e sorrisos. É possível, em algum momento, viver esses sentimentos. Neste momento, alguém está sorrindo por ter conseguido vencer uma patologia, por exemplo. Outros, choram em razão da perda de um ente querido, de um amigo, da ocorrência de uma tragédia. São pessoas que conseguem sentir a primazia da situação existencial do próximo, que se colocam no lugar do próximo. Hoje, a Terra padece em razão de um patógeno atroz. Há famílias enlutadas, profissionais exaustos, mas em pé, combatendo o bom combate, sem trégua. E pacientes, de igual modo, lutando. Por outro lado, muitos nos deixaram enquanto participavam desta batalha. Dessa maneira, a vida pode desaparecer a qualquer instante e tudo pode se transformar. Na modernidade, o smartphone cuja tela acende de madrugada pode trazer a mensagem de que algo ou alguém desapareceu ou que está doente. Ninguém quer perder um combatente. A mensagem que se almeja é de vida, do nascimento de uma criança, da melhora da condição clínica de alguém, do resgate da criança sequestrada, como há pouco tempo ocorreu aqui em Alagoas e tive a honra de reencontrar e cumprimentar um dos delegados de polícia que participou da operação - um amigo que dispensou formalidades -, mas tudo se transforma. A notícia da perda de um amigo, aliás, a notícia de que alguém não está bem, já é elemento deflagrador da vontade de remeter o bem, de agir, de estender a mão para ajudar, de se movimentar de modo preparado. Em síntese, de fazer o bem, mas às vezes a noite chega, se extingue e traz a mensagem de cerração da vida. Nesse contexto, o adeus assume a condição de instante de emoção, mas quem nos deixa, quem vai para a vida eterna, não se extingue. Apenas a sua matéria se extingue, uma vez que o conjunto dos seus princípios, valores e atos serão firmados como precedentes de humanismo. Serão lembrados para sempre por todos. Na madrugada de ontem, recebi a notícia do falecimento do magistrado Jerônimo Roberto, que era amigo do meu saudoso pai, além de seu colega de profissão. Dr. Jerônimo foi meu professor de direito civil (obrigações/contratos) e quando me tornei advogado, relembro, certa vez uma cliente minha estava em um hospital particular e sua família enfrentava dificuldades relacionadas ao contrato do plano de saúde dela, idosa, mais especificamente à questão de cobertura. Naquele momento, vi que tudo podia se transformar. Que eu não conseguiria, administrativamente, como em outro episódio havia conseguido, a solução desejada (o caso de um ex-combatente do Exército Brasileiro). Revisito esse momento em que o tempo, para a minha cliente, poderia gerar um instante de emoção, lágrimas ou sorrisos. Deparei com a cronologia, com o tempo. Era um quadro de acidente vascular encefálico, e logo em seguida já estava com a petição inicial pronta e revisada. Revisito este fato e me recordo de cada instante. Da chamada telefônica atendida ao peticionamento. Da notícia de concessão da medida liminar, redigida e fundamentada de forma brilhante pelo Dr. Jerônimo, à cura da paciente, que tempos depois encheu-me de alegria, reabilitada, sorrindo, vindo ao meu encontro, ao lado do seu filho, que não escondia a felicidade de ver a sua guerreira firme, que teve o acesso à Justiça e uma decisão favorável, justa, que, além do seu alto grau de tecnicidade, revelou o humanismo do magistrado. Aquela decisão salvou uma vida. Vale lembrar que não só na Justiça encontramos precedentes de humanismo. Recentemente, em um estabelecimento que frequento, situado a muitas quadras da minha casa, em outro bairro, no qual sou considerado (por escolha) membro da família dos proprietários, e não apenas amigo/cliente, presenciei várias visitações de uma cliente - adulta jovem - a fim de tentar interpretar, por meio da administradora do estabelecimento, que é da saúde, além de ser advogada, o significado de termos e atos médicos relacionados à sua irmã, sedada em uma UTI. O acolhimento de quem a recebe, sempre no mesmo horário (hora em que consumimos muito bate-papo, fazemos até amizades etc.), traduz, de igual modo, um precedente incrível de humanismo, de atenção. Percebo que a angústia daquela cliente, ainda que ela escute - de forma técnica e ética, mas em linguagem clara, a gravidade da situação, e também o possível restabelecimento da sua irmã, é amenizada em razão do acolhimento, do humanismo, da atenção dedicada a ela. Este proceder é de uma grandeza imensa e revela os valores e princípios escolhidos por quem escolheu salvar vidas, o bem absoluto, cuja proteção, no âmbito profissional ou não, revela muito sobre o caráter de quem realizou esta escolha. Salvar vidas por meio de atos médicos ou não, a exemplo da concessão de uma medida liminar, do patrulhamento de rodovias, da atividade em longos plantões de vacinação, de fato, é ato de humanismo. Deixa legado. Assim, remeter o bem ao próximo constitui uma prática capaz de transformar a realidade de outrem e é fato gerador de um importante exemplo ou legado, o precedente de humanismo, que será lembrado para sempre. Com o meu respeito, gratidão e sentimento de solidariedade a todos, Wilton Prezado (a) leitor (a), seja bem-vindo (a), sempre, a este singelo espaço caseiro. Antecipo o meu sentimento de gratidão pela visita.
O precedente contido no informativo n. 691, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é um excelente julgado, na medida em que aborda vários assuntos relacionados ao direito direito penal e ao direito processual penal. A partir da interpretação gramatical do resumo da decisão do STJ, é possível afirmar que diante de uma denúncia já oferecida, não se exigiria a representação da vítima no crime de estelionato - antes do pacote anticrime - todavia, o ponto mais difícil de entendimento do precedente, pelo menos o que eu enfrentei, foi a questão da retroatividade da representação, hoje exigida, uma vez que percebi a existência de julgados antagônicos, de posicionamentos diferentes. E isto parece ser excelente no estudo da formação da norma, de um futuro entendimento consolidado, de uma jurisprudência, até mesmo de uma súmula. A decisão trazida no bojo do informativo 691 foi publicada em 8 de abril de 2021, tendo sido julgada em 24 de março de 2021. Tal decisão teve como Relator o Ministro Ribeiro Dantas, cujo processo relacionado é o HC 610.201/SP. Esta é a ementa da decisão: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. ESTELIONATO. LEI N. 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). RETROATIVIDADE. INVIABILIDADE. ATO JURÍDICO PERFEITO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. WRIT INDEFERIDO. 1. A retroatividade da norma que previu a ação penal pública condicionada, como regra, no crime de estelionato, é desaconselhada por, ao menos, duas ordens de motivos. 2. A primeira é de caráter processual e constitucional, pois o papel dos Tribunais Superiores, na estrutura do Judiciário brasileiro é o de estabelecer diretrizes aos demais Órgãos jurisdicionais. Nesse sentido, verifica-se que o STF, por ambas as turmas, já se manifestou no sentido da irretroatividade da lei que instituiu a condição de procedibilidade no delito previsto no art. 171 do CP. 3. Em relação ao aspecto material, tem-se que a irretroatividade do art. 171, §5º, do CP, decorre da própria mens legis, pois, mesmo podendo, o legislador previu apenas a condição de procedibilidade, nada dispondo sobre a condição de prosseguibilidade. Ademais, necessário ainda registrar a importância de se resguardar a segurança jurídica e o ato jurídico perfeito (art. 25 do CPP), quando já oferecida a denúncia. 4. Não bastassem esses fundamentos, necessário registrar, ainda, prevalecer, tanto neste STJ quanto no STF, o entendimento "a representação, nos crimes de ação penal pública condicionada, não exige maiores formalidades, sendo suficiente a demonstração inequívoca de que a vítima tem interesse na persecução penal. Dessa forma, não há necessidade da existência nos autos de peça processual com esse título, sendo suficiente que a vítima ou seu representante legal leve o fato ao conhecimentos das autoridades." (AgRg no HC 435.751/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2018, DJe 04/09/2018). 6. Habeas corpus indeferido. Com esse mesmo raciocínio, há a decisão proferida pelo Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, em 9 de junho de 2020 (HC 573093/SC): EMENTA HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME DE ESTELIONATO. PRETENDIDA APLICAÇÃO RETROATIVA DA REGRA DO § 5º DO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL, ACRESCENTADO PELA LEI N. 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). INVIABILIDADE. ATO JURÍDICO PERFEITO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. DOUTRINA. DOSIMETRIA. PRETENSÃO DE CONVERSÃO DA PENA CORPORAL EM MULTA. ART. 44, §2º, DO CÓDIGO PENAL. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e as Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. A Lei n. 13.964/2019, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como "Pacote Anticrime", alterou substancialmente a natureza da ação penal do crime de estelionato (art. 171, § 5º, do Código Penal), sendo, atualmente, processado mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido, salvo se a vítima for: a Administração Pública, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz. 3. Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu. Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade. Doutrina: Manual de Direito Penal: parte especial (arts. 121 ao 361) / Rogério Sanches Cunha - 12. ed. rev., atual. e ampl. - Salvador: Editora JusPODIVM, 2020, p. 413. 4. Ademais, na hipótese, há manifestação da vítima no sentido de ver o acusado processado, não se exigindo para tal efeito, consoante a jurisprudência desta Corte, formalidade para manifestação do ofendido. 5. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte Superior, fixada a pena corporal nos patamares delineados no art. 44, § 2º, do Código Penal, compete ao julgador a escolha do modo de aplicação da benesse legal. Além disso, não é socialmente recomendável a aplicação da multa substitutiva em crimes cujo o tipo penal prevê multa cumulativa com a pena privativa de liberdade. 6. Habeas corpus não conhecido. É importante esclarecer, ainda, que há entendimento no Supremo Tribunal Federal (STF) no mesmo sentido da irretroatividade da representação nos processos com denúncia já oferecida. Desse modo, até a presente data, à luz do entendimento dos tribunais superiores, e conforme decisão veiculada pelo informativo STJ n. 691, parece correto dizer que a alteração legislativa realizada pelo pacote anticrime, no que se refere à retroatividade da representação no crime de estelionato, sofreu uma adequação que visa à segurança jurídica, mas o assunto abordado ainda não está consolidado. Não é possível afirmar que entendimento x, y ou z forma a jurisprudência consolidada de um tribunal. Há precedentes e, após decisões reiteradas, possivelmente surgirá um entendimento único, até mesmo uma súmula. Com o meu respeito e consideração, Wilton |
AUTOR:Wilton Moreira da Silva Filho ARQUIVOS
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