Remeter o bem ao próximo é um ato de humanismo. Desde o ato aparentemente mais singelo até a edição de um trabalho sentencial ou consulta, cada ente humano pode realizar ações que vão ao encontro do bem e que são capazes de transformar a realidade de outrem.
Depreende-se do poema "Adeus", de autoria do já saudoso juiz de direito Wilton Moreira da Silva, que o autor não faz o símbolo do adeus e que tudo se transforma, a exemplo das flores, as quais murcham e renascem. O autor associa o adeus a três elementos: emoção, lágrimas e sorrisos. É possível, em algum momento, viver esses sentimentos. Neste momento, alguém está sorrindo por ter conseguido vencer uma patologia, por exemplo. Outros, choram em razão da perda de um ente querido, de um amigo, da ocorrência de uma tragédia. São pessoas que conseguem sentir a primazia da situação existencial do próximo, que se colocam no lugar do próximo. Hoje, a Terra padece em razão de um patógeno atroz. Há famílias enlutadas, profissionais exaustos, mas em pé, combatendo o bom combate, sem trégua. E pacientes, de igual modo, lutando. Por outro lado, muitos nos deixaram enquanto participavam desta batalha. Dessa maneira, a vida pode desaparecer a qualquer instante e tudo pode se transformar. Na modernidade, o smartphone cuja tela acende de madrugada pode trazer a mensagem de que algo ou alguém desapareceu ou que está doente. Ninguém quer perder um combatente. A mensagem que se almeja é de vida, do nascimento de uma criança, da melhora da condição clínica de alguém, do resgate da criança sequestrada, como há pouco tempo ocorreu aqui em Alagoas e tive a honra de reencontrar e cumprimentar um dos delegados de polícia que participou da operação - um amigo que dispensou formalidades -, mas tudo se transforma. A notícia da perda de um amigo, aliás, a notícia de que alguém não está bem, já é elemento deflagrador da vontade de remeter o bem, de agir, de estender a mão para ajudar, de se movimentar de modo preparado. Em síntese, de fazer o bem, mas às vezes a noite chega, se extingue e traz a mensagem de cerração da vida. Nesse contexto, o adeus assume a condição de instante de emoção, mas quem nos deixa, quem vai para a vida eterna, não se extingue. Apenas a sua matéria se extingue, uma vez que o conjunto dos seus princípios, valores e atos serão firmados como precedentes de humanismo. Serão lembrados para sempre por todos. Na madrugada de ontem, recebi a notícia do falecimento do magistrado Jerônimo Roberto, que era amigo do meu saudoso pai, além de seu colega de profissão. Dr. Jerônimo foi meu professor de direito civil (obrigações/contratos) e quando me tornei advogado, relembro, certa vez uma cliente minha estava em um hospital particular e sua família enfrentava dificuldades relacionadas ao contrato do plano de saúde dela, idosa, mais especificamente à questão de cobertura. Naquele momento, vi que tudo podia se transformar. Que eu não conseguiria, administrativamente, como em outro episódio havia conseguido, a solução desejada (o caso de um ex-combatente do Exército Brasileiro). Revisito esse momento em que o tempo, para a minha cliente, poderia gerar um instante de emoção, lágrimas ou sorrisos. Deparei com a cronologia, com o tempo. Era um quadro de acidente vascular encefálico, e logo em seguida já estava com a petição inicial pronta e revisada. Revisito este fato e me recordo de cada instante. Da chamada telefônica atendida ao peticionamento. Da notícia de concessão da medida liminar, redigida e fundamentada de forma brilhante pelo Dr. Jerônimo, à cura da paciente, que tempos depois encheu-me de alegria, reabilitada, sorrindo, vindo ao meu encontro, ao lado do seu filho, que não escondia a felicidade de ver a sua guerreira firme, que teve o acesso à Justiça e uma decisão favorável, justa, que, além do seu alto grau de tecnicidade, revelou o humanismo do magistrado. Aquela decisão salvou uma vida. Vale lembrar que não só na Justiça encontramos precedentes de humanismo. Recentemente, em um estabelecimento que frequento, situado a muitas quadras da minha casa, em outro bairro, no qual sou considerado (por escolha) membro da família dos proprietários, e não apenas amigo/cliente, presenciei várias visitações de uma cliente - adulta jovem - a fim de tentar interpretar, por meio da administradora do estabelecimento, que é da saúde, além de ser advogada, o significado de termos e atos médicos relacionados à sua irmã, sedada em uma UTI. O acolhimento de quem a recebe, sempre no mesmo horário (hora em que consumimos muito bate-papo, fazemos até amizades etc.), traduz, de igual modo, um precedente incrível de humanismo, de atenção. Percebo que a angústia daquela cliente, ainda que ela escute - de forma técnica e ética, mas em linguagem clara, a gravidade da situação, e também o possível restabelecimento da sua irmã, é amenizada em razão do acolhimento, do humanismo, da atenção dedicada a ela. Este proceder é de uma grandeza imensa e revela os valores e princípios escolhidos por quem escolheu salvar vidas, o bem absoluto, cuja proteção, no âmbito profissional ou não, revela muito sobre o caráter de quem realizou esta escolha. Salvar vidas por meio de atos médicos ou não, a exemplo da concessão de uma medida liminar, do patrulhamento de rodovias, da atividade em longos plantões de vacinação, de fato, é ato de humanismo. Deixa legado. Assim, remeter o bem ao próximo constitui uma prática capaz de transformar a realidade de outrem e é fato gerador de um importante exemplo ou legado, o precedente de humanismo, que será lembrado para sempre. Com o meu respeito, gratidão e sentimento de solidariedade a todos, Wilton http://wiltonmoreira.com.br
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AUTOR:Wilton Moreira da Silva Filho ARQUIVOS
October 2024
CATEGORIASHISTÓRICO
October 2024
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